Atividades humanas: práticas sociais diferenciadas
Resumo
As atividades humanas são práticas sociais que se desenvolvem em relações, lutas de poder
e conflitos entre indivíduos e coletivos inseridos em uma estrutura social hierarquizada
de acordo com as condições econômicas, educacionais, oportunidades de aquisição de
conhecimento, capacidade de reverter relações sociais em capital e com o status social
do indivíduo e do grupo social; o que Bourdieu (2008) denominou capitais econômico,
cultural, social e simbólico, e com valores a partir de um campo específico, no qual se
estabelece a posição social dos indivíduos.
As atividades humanas ocorrem em um contexto de desigualdade não somente
econômica, na medida em que existem déficits de capitais culturais que podem, por
exemplo, influenciar no acesso a bens simbólicos. As ações humanas estão localizadas em
grupos sociais distintos que nos descrevem posições privilegiadas ou não privilegiadas de
indivíduos e grupos conforme o acúmulo e composição desses capitais na trajetória da
vida. Portanto, falar de atividade como instrumento ou recurso da Terapia Ocupacional
é associá-la ao espaço social multidimensional na qual está inscrita.
As dimensões sociais (os capitais) trazem as diferenciações. Há práticas que se
aproximam e outras que se afastam por distinção. As preferências, gostos inerentes a
quaisquer atividades humanas, são reconhecidas por certos agentes sociais e distintas por
outros. A escolha do instrumento ou recurso pelo terapeuta ocupacional e/ou indivíduo/
comunidade/organização assume significado dentre as práticas culturais, valores, crenças de
um determinado coletivo social (KONDO, 2004). Há o perigo do terapeuta ocupacional
agir com suposições não examinadas quando se trabalha com indivíduos cujas experiências
econômicas e culturais são bem diferentes das suas (BEAGAN, 2007). Nesse sentido
compreendem-se as atividades humanas no campo da cultura, e as mesmas envolvem
hábitos, técnicas, instrumentos, materiais construídos socialmente e com conhecimentos
historicamente constituídos (LIMA; OKUMA; PASTORE, 2013).
As atividades humanas não são iguais ou igualitárias, são imbricadas em relações
sociais e não se dão pela ação de indivíduos isoladamente, fazem parte de relações que
se “entrelaçam de modo amistoso ou hostil” (ELIAS, 1993, p. 194). Havemos de nos
deparar com formas de fazer a princípio tão comuns e tão diferenciadas, por exemplo:
o que come o operário e, sobretudo a sua maneira de comer, o esporte que ele pratica e
sua maneira de praticá-lo, as suas opiniões políticas e sua maneira de exprimi-las diferem
sistematicamente do consumo ou das atividades correspondentes de um industrial. Assim,
por exemplo, o mesmo comportamento ou o mesmo bem pode aparecer como distinto
para um, pretensioso ou banal para outro, vulgar a um terceiro (BOURDIEU, 2008). É
na experiência vivida dos indivíduos que se apreende a atividade humana, compõem-se
gostos, compreendem-se as vantagens e desvantagens entre pessoas ou grupos sociais.
Trabalhar com atividades em Terapia Ocupacional é lidar com mediação de relações
múltiplas situadas no tempo e nos espaços culturais (BARROS; GHIRARDI; LOPES,
2002). Os conceitos e formas utilizados por terapeutas ocupacionais assumem também
significados distintos, baseados no mesmo processo histórico, cultural e social constitutivo
de quaisquer atividades humanas.
A atividade enquanto fato e ato (objeto) que nos define profissionalmente também
nos dificulta uma unicidade, há a estranheza do tão comum e tão distintivo, comum
em qualquer momento da vida e em quaisquer circunstâncias humanas. A atenção do
terapeuta ocupacional está centrada nas atividades cotidianas, e são as atividades que nos
permitem estarmos vivos ou podem nos levar no caminho da morte, da desigualdade e
opressão. Nessa vivacidade humana buscamos formas de constituir a profissão.
Para quaisquer usos que se faça da atividade é fundamental que se tenha a consciência
de que ela não é por si só benéfica. Pode ser um instrumento, um recurso e/ou método
que vise à redução de injustiças cotidianas, injustiças ocupacionais (TOWNSEND;
MARVAL, 2013) tão próprias nesse contexto desigual.